Há muito tempo que não me sentia assim. Tenho os olhos inchados e a mente cheia. Ela nunca esteve vazia, mas, a cada mês que passa, pior fica. A incerteza do futuro é o que mais me assusta. Não assusta todos? Os meus planos estão a terminar e o prazo está a aproximar-se. Não é nada fácil tornar-se adulto. Imagino como será ser um. Um a sério. Este cansaço psicológico está a dar cabo de mim. Mas, também, o que não dá? A cada esquina, um novo desafio, esse que dez metros mais à frente se torna um problema. É sempre assim. Gostava de poder adiar mais um bocadinho. Gostava de voltar a ser miúda, para me enfiar debaixo da manta, enquanto o aspirador trabalha, esse malvado que dá cabo da audição e arrepia os pelos do corpo, e para fingir deixar de existir. Não há metáfora aqui. O aspirador é só um aspirador. Como o barulho das máquinas de uma fábrica de cerâmica. Não assusta, conforta. Mas é sempre melhor debaixo de uma manta. Os adultos ainda fazem destas coisas? Seria bom não se tornar adulto. Só que a sensação que se tem quando o problema acaba e se consciencializa de que "eu nunca mais vou ter de aqui voltar", também pode ser boa. Acho que é isso que me deixa dormir de noite. Há sempre a possibilidade de fugir. Não por cobardia, mas porque "isto" já deu o que tinha a dar.