24 outubro, 2017
Divórcio
Os meus pais divorciaram-se eu tinha 10 anos, lembro-me de tudo. Nunca esqueci o dia em que a minha mãe saiu de casa, todos os anos faço um novo luto nesse dia. Sempre que me acontecia alguma coisa de mal na escola sentia-me vazia, porque afinal eu era filha de pais divorciados, não tinha sorte nenhuma, sentia-me uma criança sozinha no mundo. Não tenho irmãos. Todos os meus amigos viviam com os dois pais, eu era a pobre que fazia e desfazia malas todos os fins de semana, tinha duas casas e ao mesmo tempo não tinha nenhuma. E há medida que os anos passam, as memórias que tenho de estar com os meus pais, ao mesmo tempo, são menos. É como se uma parte de mim deixasse de existir e eu não tivesse meios para a resgatar. Na verdade, não tenho mesmo. O meu pai só fala mal da minha mãe, ainda hoje, sim. A minha mãe não está tão disposta assim para falar sobre o seu primeiro casamento, um casamento que muito pouco teve de casamento. O meu pai queimou a maioria das fotos em que a minha mãe aparecia, felizmente ela levou algumas fotografias com ela. De nós os 3, tenho uma fotografia, e eu era bebé. Ainda hoje aquele maldito divórcio é como se fosse uma morte, embora eles estejam os dois vivos e eu esteja todos os dias com eles, em separado. Apesar de hoje viver relativamente bem com isto, será sempre um vazio na minha alma. Obrigaram-me a ter duas vidas, que eu não queria, abominava. Eu proibia-me de falar de um ao outro, sentia saudades de um quando estava com o outro e nunca estava bem em lado nenhum. A saudade pode durar uma vida. Dura uma vida inteira, sim. Tenho a certeza absoluta que quando tiver 70 anos ainda vou pensar no divórcio dos meus pais e sentir um aperto na garganta. Mas ter noção disto é saber que cresci como pessoa com um divórcio que não foi meu, mas no final de contas era meu. É também estar preparado para o futuro, saber aquilo que nunca poderei fazer se um dia tiver filhos, para o bem deles. Conversar sobre estas coisas é fundamental para que não criemos monstros no sótão, para dar cabo de ressentimentos, aniquilar qualquer mágoa que ainda possa existir. E à medida que formos falando mais e mais sobre o que nos magoou, custa um bocadinho menos viver com esse acontecimento. E aprendemos a ser uma pessoa feliz, apesar de todos os trambolhões que a vida nos impôs.