02 novembro, 2012

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A minha avó está presente nos livros velhos, que são mais velhos do que eu. Este está já preso a fita-cola, em que as folhas já não são brancas, mas amarelas do uso. O cheiro dela, tão característico dela, que só ela o sabia provocar e que só nela o consegui cheirar, está empregnado neste livro. Como se ele tivesse sido dela, mas ela nunca foi de ler livros de psicoterapia ou coisa que o valha. Os livros dela eram outros. Mas tudo neste livro cheira à minha avó. É como se ela vivesse dentro deste livro. E gosto de me lembrar dela, assim de vez quando. Gosto que ela me deixe sinais por toda a parte e que, de vez em quando, o quanto baste, me faça lembrar dela. E eu vou sorrindo silenciosamente, só para a minha avó ver. E quando eu for já velha, como o livro é e como ela era, espero ter um livro assim, que cheire a ela e, depois, que cheire a mim. Um cheiro que nos perpetue para toda, ou quase toda, a eternidade.