31 agosto, 2011

Tenha um bom dia

D. Gertrudes, no seus sessenta e muitos anos, estava a contemplar o mar, quando se recordou do que, ainda hoje, lhe aconchegava a alma. Encontrava-se a percorrer o habitual caminho para o local de trabalho. Regularmente, desviava-se de tantos pedintes, de associações ou de cariz pessoal, abanando a cabeça e desviando o olhar, apressando o passo, ao mesmo tempo que lhe crescia a angústia de saber que nunca poderia ajudar tal como todo o ser humano merecia. Afastava-se, perguntando-se porquê, tentando desviar os tais pensamentos, que lhe enchiam a mente, e quem sabe, o coração, porque o seu não era de pedra, achava-se feito de manteiga, sempre que se cruzava com a miséria de muitos e com a sorte de poucos. Era-lhe difícil aguentar o peso de estar razoavelmente bem na vida e ter de virar a face a quem precisava, enquanto que outros que gastavam milhões em futilidades e bens desnecessários. Até que, um senhor extremamente simpático e sorridente lhe veio pedir dinheiro, já nem se lembra para quê, mas ficou-lhe na memória as palavras simples e bem dispostas daquele senhor. Pediu-lhe cinco euros, referenciando que tinha Sida, D. Gertrudes declarou que não era rica e que iria precisar do dinheiro que tinha consigo para o dia que corria. Então o senhor pediu-lhe apenas o que lhe podia dar, acrescentado que a sua doença não se pegava pelas palavras e que não era por isso que lhe iria fazer mal. Enquanto remexia nos trocos da sua carteira, D. Gertrudes sorria e disse-lhe que sabia perfeitamente que aquela doença não impedia uma simples conversa. Entregou-lhe dois euros, continuando a sorrir. O senhor agradeceu pelas moedas, desejou-lhe um bom dia e no fim, como se para ele aquela tivesse sido a maior oferta de várias semanas, agradeceu-lhe o facto de ser uma senhora que não teve medo de lhe sorrir e de estar ali a desejar-lhe também um bom dia.