08 novembro, 2010

Lufada

De todas as vezes que sai à rua, Zetânia sente o vento a emergir por suas calças dentro. Não como ar gelado ou ardor incomodativo, mas como uma das poucas sensações que lhe permite libertar tensões, preocupações ou até mesmo conspirações. De todas as vez que saia à rua, não sente o azedume presente nas sarjetas ou o fétido calor a bocas de ar. Sente antes os primórdios do ser andante, que não pára até chegar a seu destino, sente, com a lufada de ar fresco e revitalizador, a esperança de conseguir sobreviver ao que todos desistem. Se de vez em quando pensa em acatar o desejo do além querer, ao sentir o vento nas pernas, essa é uma das ideias que tem lugar directo no contentor do lixo sem remédio. E que remédio terá ela se não obrigar-se a renascer com o vento, já que a sua nascença foi a condenação à morte contínua, que cada dia a visita e a deixa um pouco mais escura, como a caixa de sapatos ao fundo do armário.