19 agosto, 2011

Morrer com noção

Tenho tantas lembranças que vão e vêm, mas que nunca se perdem no esquecimento. Dão sinal de si quando menos espero e fazem-me recordar os tempos que um dia em tudo foram novos e que agora são já velhos. O ouvir uma música que alguém me acabou de enviar, os nomes carinhosos que chamei a cada pessoa, o dar as mãos, o sorriso cheio de pedidos e desejos, o não conseguir fazer a bicicleta entrar na garagem, o olhar um desconhecido nos olhos no meio da multidão, o obrigado de alguém a que apenas deixar passar, as gargalhadas da pessoa que mais me fez feliz, as caretas que fizeram odiar-me por não estar mais perto, o arrependimento por não saber utilizar as palavras que não magoam, o barulho do aspirador do qual o cobertor ingenuamente me protege, a concordância numa conversa séria que reforça as relações, o vento que faz roçar o cabelo nas costas, o mar que se enrola e desenrola numa melodia perfeita, a sensação de ler uma mensagem calorosa, a expectativa de querer que tudo dê certo, o terminar um livro e desejar que nunca tivesse acabado, a tristeza quando a desilusão acaba mais uma vez por chegar, o toque inesperado que me faz dar um salto, as ideias novas e vazias de sentido, o álcool a percorrer a garganta para mais tarde me deixar leve, o chocolate a derreter-se sobre a língua, a adrenalina que os elevadores me teimam em fazer circular, o sol a queimar a pele, o cheiro do verniz acabado de pintar, o peso no ombro da mala a abarrotar, o arrepio que percorre a coluna e tem sempre a ver com alguém muito especial. Todas estas lembranças trazem consigo o ritmo da vida que levei e das escolhas que fiz, das pessoas de que gostei e dos momentos que a minha alma resolveu guardar como um tesouro. Não seria nada sem essas memórias e não quero perdê-las. Quero morrer com noção do que fui e do que nunca consegui ser.